Assim como o Papa do tarô, o Sacerdote inspira, num primeiro
momento, certa desconfiança. Muitos pensam nas amarras da Igreja, seus
preconceitos, sua história nebulosa. Mas antes de condenar preconceitos da Igreja,
observemos nossos próprios preconceitos para extrair o melhor desse arcano.
Vemos um padre lendo atentamente um livrinho vermelho. Ele
está cercado por muros, provavelmente de um mosteiro. Esses muros isolam-no da
vida exterior. Porém, ao contrário da carta da Prisão, seu encerramento é
voluntário. O Sacerdote até mesmo dá as costas para o jardim interno, recusando
a vida que abunda a seu redor. Afinal, sua atenção não se volta para a vida
mundana, mas para a Vida Eterna. Ele não está preso ao mosteiro: está livre do
Mundo.
Provavelmente procurou um lugar para ficar sozinho em
comunhão com Deus. A sua leitura não me parece atenta, como a de alguém que lê
um livro interessantíssimo. Ele até mesmo ergue um pouco a cabeça, como se
fizesse pose de leitor. O conteúdo do livro não deve ser novo: talvez salmos
para meditação. Se o Sacerdote abrir a boca, imagino-o falando lenta e
pausadamente, como aqueles que querem parecer sábios. A Vecchia Signora também tem um
livro vermelho consigo. E, assim como ela, o Sacerdote está em paz consigo
mesmo.
Um Sacerdote é também um mediador entre o Céu e a Terra.
Dedica-se à vida espiritual, no lugar daqueles que não podem fazer o mesmo.
Estuda e medita para trazer mensagens em seus sermões e conselhos. Assim, o
arcano sugere o conceito de Conselheiro: uma pessoa sábia, que dedica-se
exclusivamente a refinar a sua sabedoria e a reforçar o canal com a divindade,
a fim de compreender melhor os padrões do Universo e ajudar os outros. Veja-o
como um Guia que ajudará o consulente numa questão importante.
Em algumas situações, a carta pode sugerir um retiro do
mundo, espiritual ou mental. Férias. Só assim se pode refletir e evoluir
interiormente.
E o que o Sacerdote ganha com isso? Na verdade, ele obedece
a um chamado. Seu trabalho é uma missão à qual dedica seu espírito. Da mesma
forma, a carta representa uma pessoa que carrega uma missão, ou pensa carregar
uma: em relação ao seu trabalho, à família, à religião etc. Dedica-se com
afinco, com paixão. Pode até mesmo exagerar. É aquela pessoa que trabalha pelo
“bem maior”. Só que, ainda que seja muito bonito, essa suposta missão pode ser
uma ilusão de uma pessoa só, não compartilhada pelo seu próximo. Ao entregar-se
a um trabalho de corpo e alma, essa pessoa poderá abandonar a vida em si: sua
família, amigos e até a si mesmo. Vale a pena?
Algumas pessoas encerram-se num convento ou mosteiro como
penitência por uma vida de pecados. Por isso, é bom atentar-se para a
possibilidade do consulente estar negando indevidamente a vida, proibindo-se
de sentir prazer ou de tomar uma decisão que deseja fortemente, mas acredita ser
pecaminosa: assumir a sexualidade, divorciar-se, mudar de cidade e afastar-se
da família, abandonar um emprego seguro para investir num sonho etc.
Em seu pior aspecto, o Sacerdote aproveita-se de seu poder
sobre as pessoas para mandar nelas. Certo de que é o representante de Deus na
Terra, pode constranger muita gente a assumir posturas que não desejam. Esse é
o Sabe-Tudo, que reforça a sua pose de Iluminado para manipular os outros. Ele
não aceita recusa, não dialoga com ninguém, não ouve ninguém. Somente o seu
ponto de vista é o certo e a sua palavra é a última. Teimoso como uma mula, não
enxerga nada ao seu redor. A intolerância daqueles que acreditavam ser
receptores das mensagens divinas provocou imensos estragos no mundo. E ainda
provoca.
Outro problema do Sacerdote é que ele, por ser tão
"iluminado", não aceita a própria Sombra. Todos nós somos luz e escuridão, e se
não vemos a escuridão em nós, ela é projetada nos outros. Vemos maldade e
degradação nos outros, e acreditamos que somente nós somos puros. As críticas
amargas que lançamos podem nos afastar cada vez mais das pessoas e, quando
menos esperamos, estamos sozinhos. Mais uma vez, o aspecto negativo da carta implora pela tolerância conosco e com os outros.
Um filme que explora o que discutimos aqui é Dúvida (Doubt),
de Patrick Shanley. A diretora de uma escola religiosa lança suspeitas sobre o
padre, que tem uma relação próxima com um aluno negro. Mesmo que o padre lhe
explique a relação inocente que tem com o menino, a freira não acredita e luta
para afastá-lo da escola. Para ela, todos têm algo de podre a esconder, são
dominados pelo lado obscuro, e sempre há segundas intenções por trás de tudo.
O filme revela tanto os aspectos bons do Sacerdote, por meio
do padre Flynn, quanto os aspectos sombrios, na figura da irmã Beauvier. Recomendadíssimo!
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