O homem tem tanto medo da morte quanto da solidão. O Vedovo
fala desses dois medos. A carta, no entanto, não fala em desespero. Temos
um arcano para isso. O arcano traz consigo certa inércia, a atmosfera que nos
cerca depois que a poeira de uma perda já abaixou. E quem já perdeu um ente
querido talvez entenda que esse período - que pode se estender por longos anos
- é bem mais doloroso do que o desespero que se segue imediatamente à morte.
O homem leva uma coroa de flores para o túmulo de sua
esposa. Não sabemos se ele a enterrou há uma semana, há alguns meses ou há
muitos anos. Ele continua homenageando a memória de sua querida companheira, e
não demonstra intenção alguma de arrefecer sua saudade.
Dizem que o luto tem cinco fases, e cada uma delas tem uma
duração indefinida: a negação (não acreditamos na perda), a raiva (nos
revoltamos com a perda), a negociação (geralmente com “Deus”, para que
superemos a perda ou para que ela se anule), a depressão (a consciência de que
a perda é para sempre) e finalmente a aceitação.
A carta pode significa o luto pela morte literal de alguém.
Dependendo da proximidade com a pessoa falecida, a dor não passará. Apenas
diminuirá, e nos acostumaremos a ela.
O viúvo é também uma pessoa que vive sozinha. A carta representa pessoas solitárias por opção ou não. Alguém que não está com ninguém, que vive longe da família ou divorciados. Alerta para a possibilidade do consulente estar isolado demais, evitando que outras pessoas entrem em sua vida ou até mesmo recusando um pouco de luz do mundo. A convivência com outras pessoas nos ensina a ser tolerantes e amáveis, além de proporcionar o aprendizado ao qual nunca chegaríamos sozinhos.
Porém, a morte não simboliza apenas a morte física: qualquer
mudança, fim de relacionamento, rito de passagem implica uma morte e o luto que
se segue. Ainda que a mudança seja positiva, levamos algum tempo para nos
acostumar à nova realidade. Mas se a mudança não foi desejada, haverá
resistência.
Enquanto nos lamentamos pelo passado, transferimos nossa
energia para um buraco negro. Depois de um tempo de perda de energia, a
depressão é inevitável. E as doenças também. Por isso é preciso prestar atenção
quando essa carta sai em uma tiragem: estarei preso a uma situação ou pessoa
do passado? Preciso continuar preso? Como isso me afeta?
Obviamente, o corpo de uma pessoa ou animal morto deve ser
enterrado, cremado. Se ele ficar exposto e próximo de nós, causará primeiro mal
cheiro, depois espalhará doenças. Da mesma forma, se uma situação deve ser
encerrada, devemos enterrá-la. Os antigos romanos tinham como um curioso castigo: a necroforia. Um cadáver era atado a um
criminoso, e este tinha que carregá-lo enquanto o corpo se decompunha. Em pouco tempo, o condenado morria em consequência das doenças e do horror. Segurar
um emprego, um relacionamento, um sentimento que já deu o que tinha que dar
pode acabar nos adoecendo de verdade. Muitas doenças sérias, como o câncer,
nascem do nosso lamento, do nosso desgosto, de uma coisa ruim que ficamos
acalentando.
No entanto, podemos vislumbrar um leve sorriso no rosto do Vedovo,
pois – imagino – recorda-se dos bons momentos que viveu com sua amada. Positivamente,
a carta aconselha o respeito e o carinho pelas pessoas falecidas e pelo nosso passado. Servem-nos
de referência e modelo. Somos hoje o resultado de tudo o que vivemos, e devemos honrar essa experiência.
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